segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Eólicas e hídricas complementam-se ao nível da produção

“A noite passada, aqui na Aguieira, só tivemos 15 minutos de bombagem, o que é claramente insignificante, mas a explicação é simples: uma vez que se prevê muita chuva para o fim-de-semana há que guardar espaço na albufeira para as águas que aí vêm”. José Franco, director do Departamento de Produção Hídrica da EDP, explica que caso não houvesse previsão de chuva intensa, provavelmente a bombagem – processo pelo qual se volta a colocar água na albufeira, invertendo o sentido das turbinas – teria outro significado.
Numa pequena sala contígua ao sopé do paredão da barragem, situada perto de Penacova, José Franco fala das especificidades daquela infra-estrutura.
Desde logo – sublinha – foi feita para acautelar as situações de cheias na cidade de Coimbra. No entanto, a Aguieira é também uma das barragens nacionais com mais capacidade instalada de produção de energia hídrica (336 MWh).
Outra das particularidades desta obra de engenharia dos anos oitenta é que se trata de uma das cinco barragens que pratica a bombagem. Ou seja, que durante a noite, quando a energia é mais barata, em vez de a estar a produzir para a injectar na rede a utiliza apenas para sugar água da pequena albufeira que lhe sucede (a da Raiva, cujo paredão se situa cerca de 12 quilómetros mais à frente), voltando a colocá-la no seu próprio reservatório.
O processo até já nem é novo. O que é realmente inovador é o facto de a energia gasta naquela operação provir dos parques eólicos, cuja actividade, curiosamente, costuma ser mais significativa à noite, altura em que os ventos normalmente sopram com mais intensidade.
‘Tesouro’ hídrico subaproveitado
Durante o dia, quando a procura de electricidade é maior e o seu preço é mais elevado, a Aguieira produz energia eléctrica para vender. À noite, quando o consumo é muito baixo e há um excesso de produção por via das eólicas, aproveita-se o facto de ela ter um custo menor para se bombear a água para trás. Como diz Carlos Pimenta, especialista em questões energéticas, “põe-se o rio a andar ao contrário”. “Já que não se pode armazenar a energia, armazena-se a matéria-prima, que é a água, mesmo que já tenha sido utilizada no dia anterior”, explica António Eira Leitão, secretário-geral do Conselho Nacional da Água e director da Hidroerg, uma empresa independente presente nas mini-hídricas.
Miguel Barreto, director-geral de Geologia e Energia, garante que, no processo de bombagem se recupera 80% do custo dessa operação com a reutilização da água e que a perda é de apenas 20%. Este responsável refere ainda que estamos claramente perante uma alternativa a seguir, tanto mais agora que as eólicas começam a ganhar expressão em Portugal, no domínio das energias alternativas: “Se temos vento que nos dá energia a baixo custo e se, com ela, temos a possibilidade de reutilizar a água dos rios para a produção de mais energia, que pode ser vendida nas horas de ponta, então não podemos desperdiçar este nosso verdadeiro ‘tesouro’ hídrico que quando cai do céu se limita a correr para o mar. Temos que o trabalhar tanto quando possível”.
José Franco vai ainda mais longe e não tem dúvidas em afirmar que estamos na presença de um casamento perfeito entre aqueles dois modos de produção de energia. Ou, por outro lado, sugere ainda que “as hídricas são uma espécie de abono de família das eólicas”. O seu colega António Castro, administrador da EDP Produção, acrescenta que “se à noite havia vento e não havia consumo, só tínhamos duas alternativas: ou desligávamos as eólicas ou as centrais térmicas. Como estas levam horas a retomar a produção, não se desligam. Assim sendo, tínhamos que arranjar uma solução para consumir a energia das eólicas. A solução está encontrada. Ou seja, servem para complementar o funcionamento das hídricas através da bombagem e encaixam-se na perfeição”.
Vítor Andrade in Caderno de Economia, Expresso, 25 de Novembro de 2005

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