quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Cumprir Quioto sai-nos do bolso

CARBONO Metas obrigatórias vão ser ultrapassadas por Portugal no período de 2008-2012. A solução é comprar créditos de emissão.

Qualquer semelhança com o frenesim de uma bolsa financeira é pura coincidência. No mercado do carbono não há corretores a gesticular ou a dar ordens aos berros. Um dia movimentado significa, na melhor das hipóteses, três transacções de compra e venda. “O mercado está a bater no fundo”, explica Rui Dinis, da consultora E.Value. Em Janeiro, o preço do carbono caiu a pique até aos €3,5 por tonelada, quando há um ano atingiu mais de €20. Pior: o ano de 2007 deverá fechar com os gráficos demasiado próximos dos zero euros. Para o gestor, há uma explicação para o fenómeno: “Os industriais viram este mercado como uma obrigação ambientalista e não como uma oportunidade de negócio”.
Quando o mercado de carbono deu o tiro de partida, há dois anos, havia a expectativa de que os empresários portugueses acordassem para a ‘economia verde’ e percebessem que lhes sairia mais barato - e ao país - comprar créditos de emissões de dióxido de carbono (CO2) do que ter, no futuro, de pagar multas por poluição em excesso perante as metas de Quioto.
Porém, o facto de terem recebido licenças generosas da União Europeia fez com que não atingissem os tectos a que estavam obrigados. E em vez de comprarem, venderam. “Houve excesso de oferta de licenças”, corrobora Ricardo Moita, consultor da EcoProgresso, outra consultora ambiental. “Temos esperança que com o novo Plano Nacional de Alocação de Licenças de Emissões (PNALE II), que irá começar em 2008, haja mais operações”.
Esta ideia é partilhada pelo secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, que admite que o PNALE de 2005-07 foi “experimental”. Mas advoga que o novo plano, ainda à espera de aprovação de Bruxelas, é “mais restritivo”. Se por um lado corta em três milhões de toneladas as licenças das indústrias mais poluentes (centrais termoeléctricas, cimenteiras e vidreiras), por outro concede uma reserva de 5,1 milhões para novas indústrias.
O Governo calcula que o défice de emissões de CO2 entre 2008 e 2012 atinja 5,8 milhões de toneladas, o que nos afastaria das metas de Quioto. Porém, este défice pode ser colmatado se o Estado comprar créditos de emissões ou investir em projectos não poluentes em países menos desenvolvidos. “Temos de cumprir Quioto ao melhor preço. O que não for alcançado com medidas internas, que reduzam as nossas emissões, será adquirido através do Fundo Português de Carbono, nomeadamente na compra de créditos”, assegura o secretário de Estado. Para tal, e de acordo com as regras do Protocolo, Portugal deverá usar o dinheiro do Fundo. Este começou com €6 milhões e deve atingir €350 milhões em 2012, ‘alimentado’, por exemplo, pelas taxas sobre as lâmpadas de baixa eficiência ou com o aumento do preço do gasóleo para aquecimento.
O Governo tenciona abrir brevemente um concurso público para aquisição de créditos através de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Ou seja, as empresas portuguesas que queiram investir em projectos ‘verdes’ em países como o Brasil, Angola ou Marrocos farão as suas propostas e as vencedoras contarão com verbas do Fundo.
A novidade surge depois de críticas ao Executivo, que tardava em avançar com projectos MDL nos países de língua portuguesa, quando Espanha e Itália já lá estão.
Todos pagamos a factura
Na lista negra das principais poluidoras portuguesas estão as centrais termoeléctricas, com a de Sines à cabeça. Só em 2005, esta foi responsável pela emissão de 8,5 milhões de toneladas de CO2 - mais 750 mil do que tinha direito. “Quem paga a nossa compra de créditos de emissão é a Rede Eléctrica Nacional (REN) que acaba por repercutir nas tarifas ao consumidor”, refere Rui Cabrita, do Gabinete de Comunicação da EDP. A empresa investiu €42 milhões em fundos do Banco Mundial e da NatSource, o que lhes rendeu 5,3 milhões de toneladas de CO2 de crédito. A estes somam-se dois milhões de toneladas adquiridos através do comércio europeu de emissões.
Para reduzir as emissões, a EDP tem investido nas energias renováveis, nomeadamente nos parques eólicos e no reforço das centrais hídricas. Aliás, estas são medidas que vão ao encontro do Plano de Nacional de Alterações Climáticas (PNAC), previstas pelo Governo. E reforçadas na semana passada por José Sócrates. Entre elas, o aumento de 39 para 45% da meta de energia consumida a partir de renováveis, em 2010, o reforço para 10% do uso de biocombustíveis nos próximos três anos, ou o fecho das centrais termoeléctricas do Carregado, Barreiro e Tunes. “Estas medidas estão muito aquém do desejado e algumas delas são mesmo de aplicação duvidosa”, critica o líder da Quercus, Francisco Ferreira, que considera haver uma aposta em excesso na área da energia, e em défice nos transportes.

A LISTA NEGRA DAS POLUENTES

  • Central Térmica de Sines: 7,8 milhões de toneladas de CO2 (excesso de 750 mil toneladas das licenças que detinha)
  • Central Termoeléctrica do Pego: 3,8 milhões de toneladas de CO2 (excesso de 380 mil toneladas)
  • Central Termoeléctrica de Setúbal: 2,6 milhões de toneladas de CO2 (excesso de 220 mil toneladas)
  • Central da Tapada do Outeiro: 2,6 milhões de toneladas de CO2
  • Refinaria de Sines: 2,5 milhões de toneladas de CO2
  • Central Termoeléctrica do Ribatejo: 2 milhões de toneladas de CO2
in Expresso, 3 de Fevereiro de 2007